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Black Lives Matter, um movimento anterior às redes sociais

Ayọ Tometi, cofundadora do Black Lives Matter, analisou o impacto da tecnologia sobre o movimento e o futuro da causa dos direitos humanos no mundo

Giovana Oréfice
3 de novembro de 2021 - 11h57

Ayọ Tomei foi uma das convidadas do terceiro dia de Web Summit (Credito: Diarmuid Greene/GettyImages)

Muito antes da ascensão da hashtag Black Lives Matter nas redes sociais no ano passado, uma manifestação pela justiça em nome da morte do norte-americano George Floyd, o movimento já era uma realidade. O que talvez seja um dos levantes mais fortes nas plataformas digitais, sobrevive a uma série de impasses impostos pelas mesmas — que, recentemente, vem sendo alvo de denúncias, como ocorre com o Facebook e Instagram. A questão foi trazida à tona por Nicholas Thompson, CEO do The Atlantic, que recebeu no palco do Web Summit a ativista e cofundadora do movimento Black Lives Matter (BLM), Ayọ Tometi. 

Para a defensora dos direitos humanos, tais plataformas são uma ferramenta para pessoas reais que se preocupam e que estão comprometidas com a causa, e que são aquelas que impulsionam a mudança. Ela traçou um paralelo entre a luta de Martin Luther King Jr, que utilizou jornais e a televisão para espalhar a mensagem sobre seus interesses. “A preocupação em torno de plataformas como o Facebook é incrível para algo como o BLM, pois não é apenas uma plataforma que é neutra, existem algoritmos. Existem maneiras pelas quais algumas mensagens podem ser filtradas para aparecer no topo”, disse Ayọ. “Sabemos que ao longo dos anos, esta tecnologia mudou. O que eles priorizam, o que eles amplificam e quais assuntos vêm à tona, mudou “, completou. 

Quando indagada por Nicholas se o movimento ainda existiria de forma tão poderosa caso não estivesse em tais plataformas, a cofundadora apontou que ele precede a tecnologia, reforçando o fato de que pessoas negras estão lutando pelos seus direitos desde os primórdios, quando foram levados da África a demais partes do mundo. “Sempre fizemos tudo o que podemos para garantir que nossa mensagem seja ouvida, à medida em que lutamos pela nossa liberdade. Eu não descreveria nenhuma vitória para algum método específico, contudo, o mais importante é que não é só sobre as ferramentas (plataformas), é sobre as vozes das pessoas que estão transmitindo essa mensagem”, justificou. Ayọ falou ainda que as pessoas estão sendo movidas pelo que veem e testemunham, fazendo alusão aos vídeos e demais informações sobre o que vem acontecendo contra a comunidade no século 21. 

“Eu realmente acredito que, por estarmos alicerçados em um trabalho que antecede o uso dessa tecnologia em particular, temos a base, os relacionamentos e as coalizões que existem nos bastidores”, ressaltou a ativista. Nicholas endossou que muitos outros movimentos foram fadados ao fracasso nas redes, dificultando ações reais no ambiente offline. Ayọ rebateu argumentando que a luta antecede a modernidade, e que o movimento já tem conexões externas com pessoas mais velhas, mentores e líderes que auxiliam como guias. “Ainda há muito trabalho a ser feito. Ainda precisamos do tipo de poder político que nos permite alcançar e sustentar o jogo. Não precisamos desses gestos simbólicos que estão sendo feitos”, criticou. Ela acrescentou ainda que é preciso mudanças substanciais para a transformação da sociedade. 

Outro tópico trazido à tona foi o quanto ferramentas de vigilância estão avançando mais rapidamente que as soluções de proteção à privacidade, por exemplo. A questão é delicada para defensores dos direitos humanos, uma vez que, segundo denuncia Ayọ, tais sistemas são criados a partir de ideologias e que governos em todo o mundo marcam vozes ativistas que renunciam por direitos e dignidade. “Também me preocupo com o fato de que outros países e outras línguas que usam as mídia social não estão recebendo o mesmo tipo de atenção ou ferramentas criadas para proteger os defensores dos direitos humanos nesse contexto”, afirmou fazendo referência à hegemonia da língua inglesa, temendo que isso possa invalidar o movimento em outros locais. 

Mesmo que utilizado em contextos distintos, o movimento entende que se trata de um projeto aberto, e que há vantagens nisso: “O que é tão brilhante sobre o que aconteceu ao longo dos últimos oito anos, é que pessoas de todas as esferas, de diversos setores e indústrias, reconheceram que a questão de que vida negras importam é um movimento para eles também”, declarou. De acordo com a cofundadora, o movimento não é só sobre pessoas que se preocupam com a justiça, mas sim sobre todos que entendem que a questão é sobre racismo estrutural, normalizado em tantos aspectos. Além disso, Ayọ endossou que é preciso reconhecer a responsabilidade sobre o tema e que não há espaço para neutralidade. 

O fim do painel foi marcado pelo convite ao público para pensar fora da caixa, no que diz respeito ao desenvolvimento de produtos dos mais diversos setores. A cofundadora do BLM trouxe a necessidade da reflexão de pensar em diversas perspectivas que vão além da “cegueira das cores”, como ela descreveu. Já em relação às ferramentas para amplificar vozes, Ayọ potencializou o discurso de que é necessário criar soluções que protejam tais vozes e que também sejam inclusivas. Ela finalizou dizendo que ainda que queira que a tecnologia avance, os direitos humanos devem avançar à mesma medida. 

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