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Um Web Summit político

Privacidade de dados e o legado social da tecnologia foram pauta nesta edição do evento


8 de novembro de 2019 - 19h48

O Web Summit costuma abordar o tema da política em suas edições e, inclusive, já recebeu em Lisboa o ex-VP dos EUA, Al Gore. Porém, este ano, após os escândalos envolvendo a exploração dos dados em campanhas políticas, o assunto esquentou e veio com tudo para a edição de 2019 do festival. E sobrou para as ‘big techs’, que foram duramente criticadas sobre uso e manipulação de dados. Nomes como Tony Blair, ex-Primeiro Ministro Britânico; Ro Khanna, deputado democrata Americano; Margrete Vestager, da Comissão Europeia; Britanny Kaiser, famosa delatora e ex-diretora da Cambridge Analytica; e claro, Edward Snowden, lotaram seus painéis pra falar sobre uso indevido de dados, regulamentação e política e tecnologia. É, inclusive, o primeiro ano em que o Web Summit tem um track inteiramente dedicado aos whistleblowers (delatores), com quatro painéis sobre o tema.

Na abertura do evento, Edward Snowden concedeu uma entrevista através de um link de vídeo diretamente da Rússia e deu o pontapé inicial nas discussões dizendo: “Eventualmente, tudo vai vazar” – ou seja, toda informação coletada, trocada e produzida é, potencialmente, uma informação pública. Snowden comentou sobre a GDPR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), significativo passo para o controle dos dados pessoais, mas destacou a importância de se controlar a coleta dos dados em si e não apenas regulamentar os dados já coletados. E completou: “Os dados podem ser abstratos, mas estamos falando de pessoas. E são as pessoas que estão sendo manipuladas”.

 

(Crédito: Talita Moraes)

Depois dessa entrevista, ficou claro que o assunto teria destaque nos três dias que se seguiam. Tony Blair, que participou de dois painéis no evento, também falou amplamente sobre dados e sobre como a tecnologia deveria ser encarada dentro da política. No primeiro deles, intitulado “Brexit: A história sem fim”, o ex-Primeiro Ministro falou muito da importância de incluir a tecnologia de forma transversal nas decisões políticas e não um tópico a ser discutido separadamente. Segundo ele, estamos vivendo a “nova revolução industrial” e os políticos estão tendo discussões ideológicas, sem levar em consideração as oportunidades que existem.

Em sua segunda participação no Summit, dividiu o sofá de entrevista com Ro Khanna sob a temática “Ninguém fica para trás”, sobre tecnologia inclusiva. Mantendo a mesma linha de argumentação e com seu coro engrossado pelo deputado americano, Blair tocou no assunto da regulamentação, destacando a importância de os políticos entenderem sobre tecnologia para conseguir construir as regulamentações necessárias. Como um bom político, Tony Blair finalizou sua participação com uma frase de efeito – que pareceu agradar bastante o público presente e, confesso, me agradou também: “Tecnologia deve ser encarada com otimismo. O populismo explora o pessimismo e pessoas pessimistas buscam apenas pessoas para culpar. Os otimistas buscam oportunidades”.

 

(Crédito: Talita Moraes)

Brittany Kaiser, corajosa delatora e ex-diretora da Cambridge Analytica, foi bastante incisiva em suas colocações. Abertamente crítica ao Facebook (e nominalmente ao seu CEO Mark Zuckerberg), cobrando responsabilidade das empresas que coletam dados, principalmente no que tangem as campanhas políticas. Trouxe à tona o fato do Twitter ter anunciado no fim do mês passado o banimento de qualquer propaganda política feita em sua plataforma e disse ser um bom primeiro passo, mas não a solução definitiva. Segundo ela, o banimento funciona como uma oportunidade para entender como regulamentar e controlar esse conteúdo, impedindo a viralização de mensagens mentirosas e manipuladoras. Aproveitou, obviamente, para cobrar uma posição semelhante do Facebook, completando que Zuckerberg deveria investir em inteligência artificial para detectar conteúdos falsos e violentos.

 

(Crédito: Talita Moraes)

Para finalizar o assunto, Margrete Vestager, comissionaria europeia e terror de Silicon Valley trouxe uma visão bastante política ao assunto, trazendo o tema da manutenção da democracia como ponto central da discussão. Segundo ela, a democracia ocorre quando há transparência, quando todas as partes têm todas as informações necessárias para as tomadas de decisão. Por conta disso, quando uma pessoa recebe mensagens filtradas, determinadas, acabou a democracia. Fechando o evento, o simpático presidente português Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso enérgico e bastante positivo, destacando que “precisamos de instituições internacionais fortes, leis fortes e uma forte democracia” quando o assunto é tecnologia.

Esse viés político do Web Summit 2019 acabou sendo uma grata surpresa. Eu não esperava que um evento de tecnologia fosse tratar tanto de questões políticas, mas, depois de assistir aos painéis, entendi a importância da discussão: tão fundamental quanto se discutir as novas possibilidades e descobertas é discutir como esses avanços podem afetar as nossas vidas. E, mais ainda, como regulamentar e criar leis específicas para esse cenário sem precedentes. Precisamos encarar o nosso momento atual de fato como uma nova revolução industrial que, como tal, mudou e seguirá mudando o mundo em que estamos acostumados a viver. Por fim, destaco a última frase dita por Snowden em sua entrevista, que achei bem potente: “O único jeito de proteger qualquer um é protegendo a todos”.

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