O design thinking é superestimado?
Quem levantou essa questão no Web Summit foi o Chief Product Architect da Garmin International, ao comentar como a empresa sobreviveu à disrupção de seu negócio
Quem levantou essa questão no Web Summit foi o Chief Product Architect da Garmin International, ao comentar como a empresa sobreviveu à disrupção de seu negócio
Roseani Rocha
5 de novembro de 2019 - 18h16
A Garmin International é uma empresa que faturou no último ano US$ 3,4 bilhões e espera registrar este ano seu melhor faturamento da história. Nos últimos 10 anos, no entanto, era uma das marcas que aparecia nas listas de empresas fadadas a desaparecer, uma vez que produzia navegadores por satélite, ou os GPS, coisa que atualmente qualquer celular com o Google Maps ou Waze faz. Wai Lee, chief product architect da empresa disse entender isso, uma vez que é difícil um negócio sobreviver quando algo novo causa disrupção em sua essência.
“Há 10 anos, 70% do nosso faturamento vinha de navegadores via satélite para carros. E este ano teremos nossa maior receita já registrada na história”, disse o executivo. Isso só vai acontecer porque a Garmin soube diversificar o negócio e hoje atua em áreas como aviação, navegação e mercado fitness. A empresa tem parceria com a Disney, para produção de wearables para crianças, que são associados a um app, por meio do qual os pais podem monitorar os filhos. E, segundo Lee, a companhia quer continuar inovando em diferentes segmentos. Hoje, por exemplo, faz computadores para submarinos.
Outro segmento que começa a ser explorado é o que ele chama de “relógios híbridos”, ou seja, smartwatches em modelos clássicos, elegantes como os analógicos, mas com funcionalidades vistas até hoje somente nas opções mais esportivas. Isso tudo tem acontecido por meio da “Area 51”, que Lee afirma ser uma incubadora de startups dentro da empresa, responsável por novas ideias de produtos.
A taxa de sucesso dos novos produtos é de 75%, conta Lee, ressaltando que são novos produtos em novas categorias e não como se estivesse “lançando um iPhone 11, 12 ou 13”. Essas inovações trazem novas receitas para a empresa – US$ 350 milhões por ano de receita nos principais produtos. “Vocês devem estar achando que fazemos isso passando dias inteiros tendo sessões engraçadas de brainstorming e colando adesivos”, ironizou, o executivo explicando em seguida que valoriza o design, a prototipagem rápida, mas que após anos fazendo isso, chegou à conclusão de que talvez o design thinking seja superestimado.
Não porque não seja uma boa estrutura, intuitivo e bom, no que diz respeito ao design de experiência – que ele ressaltou que sua empresa ainda usa -, mas porque no ambiente corporativo passou a ser percebido em excesso como “a” inovação, ou a única forma de inovação. Instigou ao público presente, entre os quais, disse, certamente deveria haver aqueles que seguem religiosamente as técnicas de design thinking, a dizerem o porquê depois de tantos processos do tipo ainda não foram produzidos resultados de negócio impactantes.
A partir daí, passou a dedicar-se a exemplos do que, segundo ele, são formas diferentes de pensar sobre inovação em design. A primeira citada é uma abordagem que chamou de “passion driven”, ou seja, não achar que um projeto é somente do designer, mas envolver pessoas que autenticamente tenham relação com o assunto: um professor fazer design de um produto para um professor, por exemplo.
Uma segunda visão é o “vision driven design”, em que se deve apostar em uma experiência super intuitiva que se possa tirar da tecnologia. “Imagine que você estivesse num avião pequeno cujo piloto passa mal e morre ao seu lado e nele tivesse um botão vermelhando escrito ‘aterrissar’. Nós fizemos isso. Semana passada o The Guardian anunciou um modo de aterrisagem de emergência autônomo para pequenas aeronaves. E a outra forma foi a “market driven”. “É a menos sexy, mas a mais prática. Diz respeito a simplesmente olhar o mercado, notar o que é mais quente”, ressaltou o chief product architecture da Garmin, acrescentando que uma empresa com uma fruta em seu logo fez isso muito bem, aludindo à Apple, sem nomeá-la.
Mas Lee lembrou que não vale a pena uma empresa ter um monte de ideias – e muitas ainda contratam consultores para as ajudarem a ter mais ideias ainda – se não se sabe o que fazer delas depois. É preciso, disse, ter um “mindset de produção”, pensar no design como material cru que será base de um produto com capacidade para chegar ao mercado. O primeiro passo é definir que ideia trabalhar primeiro, escolhendo a que tiver mais potencial de ocupar um espaço no mercado, que o diferencie. Depois, aconselhou que é preciso preparo para defender a ideia num pitch, sem desistir dela quando receber um não, mas sabendo explorar feedbacks para retomar o projeto e reapresentá-lo.
Mesmo quando conseguiu um investidor para fazer o produto, a história não acaba aí, disse Lee, aconselhando que o designer precisa continuar acompanhando o storytelling do produto, a monitorar e defender sua ideia, até que ela chegue ao mercado.
Ele deixou para o público que lotou o palco Creatiff nesta terça-feira, 5, duas conclusões/conselhos. A primeira foi que em vez de pensar fora da caixa, pensem “fora da fábrica”, porque enquanto as ideias estão dentro da empresa, tudo é lindo. O problema é traduzi-las em produtos que tenham capacidade de chegar ao mercado. E a segunda foi justamente atuarem como defensores de seus produtos. “E uma vez que a ideia esteja dentro da fábrica, você continua sendo só um sonhador”, concluiu Lee.
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Depois disso sim, invente e reinvente para sempre. Posicione cada entrega como um produto. Arrisque, teste, erre, evolua, complique. E simplifique novamente